sexta-feira, 2 de maio de 2008

Violeta

Ele simplesmente não poderia deixar de olhar. Além disso, as divisórias feitas em vidro foram no mínimo essenciais ao permitir que seu olhar vagueasse pelo amplo salão até se deter naquela imagem particular. Há de se convir, também, que a sala onde ele mesmo se encontrava repudiava qualquer sentimento positivo, incitando divagações que levassem seus ocupantes para longe do recinto, mesmo que apenas em pensamento. Contrariando o padrão, a sala, talvez por estar exatamente na divisão entre a antiga e a nova ala do prédio, ainda mantinha três de suas quatros paredes em seus estados originais, com a aparência de estarem sem uma reforma há pelo menos uns quinze anos. Somado isso ao barulho incessante da rotação de um grande ventilador de parede, uma TV que transmitia mais ruído do que qualquer outra programação, uma secretária que se escondia por trás do móvel mofado falando no telefone em alto e bom som com sua voz esganiçada “só pra compensar o salário de merda”, uma planta morta e cadeiras extremamente desconfortáveis, era facilmente compreensível o apelido de “portal do inferno” que recebera dos funcionários mais antigos. Sendo assim, aquela única parede de vidro representava quase que um oásis para aqueles que se sentiam como prisioneiros naquela sala de espera.



Não era, então, surpresa alguma que ele logo notasse a figura daquela mulher na sala ao fundo do salão, bem em frente a ele. A distância entre os dois era apenas suficiente para impedir a constatação de pequenos detalhes, mas era também próximo o bastante de modo a permitir um extraordinário exercício de imaginação. Toda vez que precisava ir até ali, sentava-se sempre na cadeira mais próxima da janela de vidro, mais pelo fato de querer distância da planta meio morta no outro extremo da parede, que parecia sugar-lhe toda a esperança da alma, do que por realmente querer aproveitar a vista do amplo salão. Especialmente porque a única diferença com a parte antiga do prédio é que ali toda a rotina massacrante do tedioso trabalho de escritório podia ser vista a olho nu, como que numa grande jaula de circo. O que tornava essa ocasião uma exceção é que pôde notar algo que parecia se destacar no meio daquele mar de ternos e tailleurs cor de cinza chumbo e negro. Ele nunca fora muito bom com matizes. Na sua opinião, não existia “azul escuro”, “azul marinho' ou “azul celesta”, era tudo apenas puro e simples “azul”. Desta vez fora diferente, no entanto.



Dentre tantas cores facilmente confundíveis, logo ele soube identificar claramente que a echarpe translúcida que se enrolava no alvo e bem delineado pescoço e terminava por descer por cima do seio esquerdo até um pouco abaixo da cintura não era “roxo”, “uva”, “lilás” ou outra das infinitas variações possíveis, com a exceção de uma. Definitivamente, pensava ele consigo mesmo, a cor era violeta. É certo que a mulher não fugia ao padrão monocromático que predominava, mas aquela grande tira de tecido colorido tinha uma certo ar de rebeldia, algo que lembrava uma espécie de liberdade pessoal absurdamente incomum para todas aquelas cópias que batiam cabeça pelo salão. Era como se a flor que nomeia a cor houvesse brotado bem em meio aos restos de um imensa queimada. Aquele ponto radiante mais parecia um pequeno grito de revolta do que um simples acessório.



Apesar do ruidoso movimento do ponteiro que marcava os segundos no grande relógio de parede por sobre o móvel, ele já começava a perder a noção do tempo que já passara ali, esperando sem saber porquê. O silêncio esmagador que surgira após o fim da ligação da secretária era apenas rompido pela combinação quase hipnotizante do passar do tempo com o tamborilar mecânico de um lápis na mesa. Somado a isso, ainda se distraía com os movimentos suaves do tecido, que parecia ter vida própria, flutuando ao redor do corpo como que medindo cada aresta e curva, na esperança de revelar o que a roupa bem comportada escondia. Em seu transe tudo o que via era aquela imagem, a mulher que deveria ser do tamanho exato para que conseguisse aconchegar seu rosto em seu peito, mesmo não sendo ele mesmo um homem alto, escorada em uma mesa baixa que lhe pegava na altura exata dos quadris, fazendo com que repetidamente levasse uma das mãos à saia que cismava em tentar revelar algo além dos joelhos das duas pernas grossas entrelaçadas. As mãos também apoiadas na mesa e o blazer esquecido desabotoado mostravam uma blusa cinza-chumbo perfeitamente aderida ao desenho da silhueta, revelando os nuances de uma cintura que era apenas suficientemente cheinha para não ser considerada uma modelo, e de seios pequenos mas não inexistentes, que cabiam perfeitamente na palma das mãos e davam a ela o exato tom de uma mulher de verdade. Quando ela se levantava, antes que voltasse ao seu lugar ele era capaz de perceber a linha curva que ia da base de seus calcanhares, passando pelos tornozelos e coxas bem definidos, subindo pelo quadril esculpido e continuando pela cintura até chegar ao pescoço surpreendentemente fino e delineado, escondido em parte pela mancha violeta e que culminava no cabelos cacheados em um coque desleixado com inúmeros fios soltos e embaralhados por sobre a pele alva.



Ele via-se agora atravessando a passos largos porém calmos todo o salão, abrindo a porta de vidro com o coração na boca e encarando-a como se pudesse olhar para seus olhos e enxergar o desejo no fundo de sua alma. Era agora final de expediente, e qualquer um que ainda estivesse na mesma sala que os dois haveria de perceber o que acorria e sairia discretamente, deixando os dois a sós para atender a suas ânsias. Ele tomava-a entre suas mãos largas, e deslizava-as por todo aquele corpo que para ele era simplesmente delicioso, a despeito de não estar de acordo com quaisquer padrões de beleza. Virava-a de costas e tomava-lhe a echarpe para fazer dela uma extensão e ligação entre o corpo dos dois, com o fino toque do tecido passando por todo o corpo, até tapar-lhe os olhos ao mesmo tempo que lhe prendia as mãos. O toque de seus lábios grossos e úmidos em seu pescoço a fazia vibrar, com arrepios correndo da base da espinha até a nuca. Persianas fechadas e luzes desligadas até o hall de elevadores tornavam aquele momento só deles. Sorte os botões terem sido esquecidos, pois tal era sua voracidade que ele os teria arrancado sem o menor pudor. Sua blusa e sutiã era simplesmente fatiados com um abridor de cartas encontrado sobre a mesa, enquanto o barulho do fecho de metal do cinto de sua calça ressoava ao encontrar o chão. O barulho de um telefone ao fundo não era o suficiente pra tirar sua atenção, enquanto lhe subia a saia e consumava o ato com duas fortes pernas entrelaçadas em seu tronco.


-Téo. TÉO!!


O senso de realidade lhe caía como uma bomba.


-Téo, seu surdo! Presta atenção! Seu Pereira ligou, ele não vai conseguir vir porque ele teve uma emergência. Outra história pra boi dormir. Bom, ele pediu pra você voltar amanhã, tá? Ele disse que depois te diz sobre o que ele quer falar com você.


-Hã... Certo, certo. Tudo bem...


Ele se levantava como quem acaba se acordar de um sonho, ainda com o zumbido baixo da TV no pé de seu ouvido. Rapidamente olhou para a sala exatamente à sua frente, mas agora tudo o que restava era uma sala vazia, a memória de um sonho, e um pedaço de tecido cor de violeta que fora esquecido em cima de uma mesa baixa.

***

8 comentários:

Vanessa Sagossi disse...

Bom, tomara que eu não esteja chatiando... Mas e a continuação de foco? rsrs...
Sobre o conto já faleic om você...
Beijos!

Anônimo disse...

Uau!

Georgiana disse...

Kayo, amigo! Adorei esse conto..Pobre Téo!hahaa
Gostei especalmente da descrição do "troço" no pescoço, mas já te falei isso.Não abandona o blog não,ow! BjSs

Anônimo disse...

O Adeus cigarro foi porque era o dia de combate ao cigarro, não que eu fume!!hahahaha
Atualiza essa budega rpz!
Tô lendo aos poucos..
te adoro

Yara Lopes disse...

COnto muito bem
e tomara q vc consiga ser tudo q deseja(jornalista,escritor...), tenho os mesmo anseios

Anônimo disse...

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