segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Para você...


Tinha sido mais um dia péssimo, ótimo pra terminar uma semana que já não vinha sendo muito boa. Uma daquelas sextas-feiras que parecem fazer pirraça pra você, parecendo não terminar nunca. Mas o final do dia finalmente chegava, e finalmente podia completar minha rotina, indo pra casa assistir alguma porcaria de filme B e dormir no sofá.

-E aí Al, qual a boa de hoje?
Diabo, logo na hora que eu já estava saindo...
-Rapaz, sinceramente meus planos são os mesmos de sempre: filme e sofá, e se eu me sentir muito animado, quem sabe peço uma pizza...
-Cara, sem querer ser chato, mas você me dá pena...
-Quem tem pena é galinha, Fernando. Agora se me dá licença, meu sofá me espera.
-Peraí, peraí! Não falei por mal, cara! Eu hein, relaxa... Olha, hoje vai ter um show especialíssimo num barzinho de jazz aqui perto, é aniversário da casa. Por que você não vai? Você tá precisando relaxar, vamos, vai ser bacana. Olha, vai pra casa, dá um jeito nessa cara amassada e me encontra por lá umas 10 horas. Aliás, considere isso parte do expediente, não esquece que sou teu chefe agora! Hahahaha! Até lá então, Alfredo!

Ótimo. Pra completar ainda tinha que ouvir graça de um cara que tinha ganhado função não tinha nem uma semana. Mas que se dane, o sofá e o filme não iam fugir juntos pra casar e criar galinhas num sítio num fim do mundo mesmo, então não teria problema ir dar uma olhada nesse bar.

(...)

Dez e quinze da noite e lá estava eu. Um baita segurança guardava a porta, apesar de não ter gente o suficiente ali pra causar qualquer tipo de confusão. Eu entrava no bar passando pelos óculos escuros do segurança careca com um rabo de cavalo enquanto pensava “Que figura, mal cheguei e já tem um desses logo na porta. Imagina o que não tem lá dentro”. Pois minha piadinha mental não poderia ter sido abafada mais cedo: o lugar estava repleto de gente “comum”, sem óculos escuros dentro dum lugar fechado ou roupas e penteados escandalosos. Vai ver só o segurança curtia o figurino...

-Al! Ei, Al! Aqui, cara! Puxa, ainda bem que você veio. Vai, puxa uma cadeira aí, vou pedir um chope pro garçom. Diz aí, que você ta achando? Não te disse que era espetacular? O show da guria está pra começar, aí sim isso aqui vai ficar bom!

O lugar até que era simpático: logo que se entrava, podia-se notar o balcão do bar que se estendia à esquerda até a parede, pra quem quisesse esperar alguém ou simplesmente afogar as mágoas sozinho; mais além, depois de descer uns dois ou três degraus, havia à direita um fileira de mesas transversais que ia até o fundo do salão, daquelas com divisórias entre uma e outra e um abajur com uma lâmpada meio queimada por cima, só pra dar um clima mais íntimo pra quem desejasse; no final do salão de tábua corrida havia, claro, o palco, um pouco elevado em relação ao resto do ambiente, o suficiente pra que todos pudessem ver a banda, mas não o bastante pra separar de vez os músicos e seu público; de resto havia um espaço em frente ao palco para aqueles que desejassem curtir a música dançando, e todo o espaço que sobrava era permeado de mesinhas de madeira. Nós estávamos numa das mesinhas mais distantes do palco, o que somado ao fato do lugar não ser muito grande nos dava uma boa visão geral do que acontecia por ali.

-Tá Fernando, uma coisa eu sou obrigado a admitir: o lugar é bem charmoso. Mas você não disse que era um show especial e coisa e tal? O lugar nem tá tão cheio assim.
-Rapaz, presta atenção: isso aqui não é axé nem micareta não. Só tá aqui quem curte muito o lugar. Então não vai lotar, mas pode ter certeza que daqui a pouco quem chegar já vai ter problema pra arranjar mesa.
-Se você tá dizendo... Mas então, esse...
-Esse o quê? Al? Al? EI, PANACA!
-Oi? Cara, quem tá precisando relaxar é você...
-Que relaxar o que, você que do nada ficou com uma cara de quem viu um fantasma ou algo assim...
-Olha, fantasma não foi, mas você tem que concordar comigo que tem um toque de sobrenatural nisso... Dá uma olhada ali.

Parecia coisa de cinema: a umas três ou quatro mesas da nossa, um belo par de olhos castanhos insistia em encontrar com os meus a todo momento, vindo sempre acompanhado de um singelo sorriso envergonhado de seus lábios rosados e de um enrolar nervoso das pontas do cabelo loiro escuro. Ela usava vermelho até a altura de seus joelhos, em um vestido que lhe revelava curvas suaves ao longo do corpo alvo que, se a excluíam de um modelo de beleza convencional, lhe proporcionavam toda a sensualidade e delicadeza de uma mulher que era linda exatamente por ser real. Seu rosto descansava apoiado em uma de suas mãos, enquanto a outra passeava pela mesa como que procurando algo que estava fora de alcance, dando-lhe um ar jovial que me conquistava a cada instante. Eu estava hipnotizado, e não havia percebido.

-Cara! Tem razão... Essa loirinha é show de bola, hein!
-“Show de bola”?!? Você tem o quê, treze anos?
-Oras, não importa. Afinal, você vai chegar nela ou não? Olha que se for pra você ficar aí com cara de paspalho a noite toda, quem vai lá sou eu!
-Bom, é que...
-É que o quê? Não sabe, desaprendeu?
-Por aí. Já tem um tempo que não saio assim, acho que perdi o jeito...
-Oras, mas quem é a criança agora? Vai lá, rapaz!
-É, mas... Oras! Ela sumiu!?
-Hiiiiiii, já era. A guria foi embora, e agora tu tá aí, chupando dedo!
-É, essa é a minha sort...
“AHAM”, dizia uma voz doce cortando a conversa.
-Desculpem interromper meninos, mas que saber se esse rapaz pretende realmente me chamar pra dançar ou vai só ficar me olhando a noite toda? Porque se for o caso posso te conseguir uma foto, que dura mais.
Pela primeira vez em muito tempo me faltavam palavras.
-Anda, vem. Vamos aproveitar que o show acabou de começar e tão tocando as melhores músicas.
Eu era puxado pelo braço até o centro da pista de dança, enquanto observava a cara embasbacada de Fernando como de quem não sabia se ria da minha situação ou se desejava que aquilo estivesse acontecendo com ele.
-Você sabe dançar, não sabe?
-Hã... Sei, sei sim.
-Pela sua cara, duvido. Que sorte a minha, um homem que não sabe dançar. Tudo bem, eu levo...

Eu estava completamente desorientado, pela primeira vez na vida me deixava levar por uma mulher que havia tomado as rédeas em suas mãos. Aliás, que mulher. Cada nota marcada pelo compasso da bateria era um movimento que me confundia, mas que seguia guiado pelas pernas que se entrelaçavam às minhas dando impressão de serem uma coisa só. Cada improvisação do trompetista ou do pianista significava um malabarismo a mais pra minha limitada capacidade motora.
-Nossa, você dança muito bem mesmo...
-Que nada, você que dança mal.
-!!!!
-Mas tudo bem, você pelo menos tem ritmo – dizia ela, segurando com firmeza minha cintura.
-Hã... brigado, eu acho.

O tempo passava imperceptivelmente, e tudo que conseguia notar era a variação de tons, notas, cores e formas que rodopiavam ao nosso redor durante todo o tempo que permanecíamos ali, juntos. Passo após passo, minha confiança no meu próprio corpo em meio àquele turbilhão de compassos aumentava, e à medida que isso acontecia, eu tomava mais e mais o controle de nosso destino na pista de dança, e conforme dividíamos cada decisão, imaginei que seria o momento ideal para mostrar-lhe que tinha outros talentos que não a dança quando a banda começou a tocar good morning heartache, de Billie Holliday. Doce engano. Cada tentativa minha era rebatida de tantas maneiras que jamais havia imaginado, desde um suave virar de rosto até um passo mirabolante que praticamente me jogou do outro lado do salão.
-Peraí, não to entendendo nada agora. Você me tira pra dançar, nós estamos aqui há um tempão já, e agora você fica assim?
-Você raciocina demais...
-Você é difícil assim mesmo, ou é só impressão minha?
-É difícil assim mesmo.
-Mas...
-Shhh... – dizia ela, baixinho, ao pé de meu ouvido – dança comigo...

Eu não podia acreditar no que estava acontecendo... Essa mulher linda tinha me tirado pra dançar, tinha me deixado sem chão, e agora isso? Ah, não. Estanquei no meio da pista de dança, e sinalizei para o baterista algo como “manda ver”, e disse:
-Você queria que eu dançasse com você, não é? Então agora dança comigo.
Puxei-a para perto de mim, e sob seu olhar desconfiado comecei a seguir o ritmo agitado imposto pela banda. Eu a levava da mesma maneira que ela havia feito comigo a noite toda, fazendo das minhas pernas as delas, entrelaçando-nos de modo que fossemos um só naquele momento. O trompete soava, enquanto nosso corpo suava, enquanto seguíamos passo, a passo, a passo, a passo o compasso imposto pela caixa e pelos pratos. A música se interrompia, e em meio aos aplausos à banda eu a via mordiscar sua boca rosada enquanto me olhava com satisfação.
-Hmmm... gostei... – dizia ela como que sussurrando, com os braços envoltos em meu pescoço.
Sequer tive chance de resposta, ao que fui surpreendido com o toque suave de seus lábios molhados nos meus. Não era um beijo, mas de certa forma era muito mais...
-Pra você – dizia, enquanto mostrava novamente seu sorriso quase infantil.
-Mas...
-Shhh – dizia, pressionando com seu indicador meus lábios.
-É presente.

3 comentários:

Luciano Freitas disse...

Isso aí. Mãos à obra! O blog tava largado, pow..rs

Vanessa Sagossi disse...

Uhh, que fofo!

Georgiana disse...

Até que enfim hein!