sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Foco - Capítulo 5



Angelo. Bonito nome, não acham? Ele achava. Era o nome de seu avô, afinal. Bem foi dito que chegaria um momento em que seu nome seria não importante, mas de certa forma um pouco necessário. E não há hora melhor para se nomear as pessoas do que quando existe mais de uma sobre quem se falar. Pois é exatamente a situação em que nos encontramos. Existem duas peças no tabuleiro, e tudo que nos resta é esperar para ver qual será a próxima jogada.

Encontros, desencontros, e uma nova maneira de ver o mundo

Quim havia se revelado, com o passar dos dias, alguém cuja personalidade ia muito além do que sua semelhança física com aquele grupo de brutamontes permitiria imaginar. Aquela situação embaraçosa vivenciada por ambos era agora um passado distante, apesar de bem vivo na memória dos dois. Ambos se encontravam, então, numa situação realmente nova para ambos: Quim, pela primeira vez, havia encontrado companhia em alguém que estava longe de estar no meio dos grupinhos mais bem-sucedidos socialmente; já Angelo... Bom, pela primeira vez ele havia encontrando alguma companhia. O mais interessante, na verdade, seria tentar imaginar no que resultaria de uma amizade entre duas pessoas que. a princípio, se mostraram tão diferentes, mas que começavam a descobrir que possuíam mais em comum do que imaginavam.

O primeiro passo, ou “sigam-me os bons!”

-Angelo.
-Senhora.
-(!!!)
-Que foi, Quim?
-Palhaço.
-Também te amo. Agora desembucha.
-Vai ter uma festa lá na cidade antiga hoje à noite. É coisa pra poucos, saca. Convite especial, segurança de cara feia, entrada escondida, essas coisas todas. Tá afim?
-Achei que você era novo aqui.
-Sou novo no colégio, gracinha, não na cidade. Além do mais, ta na hora de você começar a sair daquele teu cafofo fedorento.
-Rá. Engraçadão você.
-Olha – dizia Quim, enquanto escrevia algo num pedaço de papel – o endereço é esse. Onze horas. Me encontra lá.

* * *

Angelo percorria as ruas de pedra da velha cidade como quem coloca os pés em um local novo pela primeira vez. Não que o ambiente lhe fosse estranho, pois aquela era uma de suas regiões prediletas para perambular em seus momentos solitários. Apenas não estava acostumado a vê-la dessa maneira. Ele vagueava pela amurada que separava o velho bairro portuário em formato de semi-círculo do mar aberto, penetrando nas ruelas com pedras de quebra-cabeça como que levado pela brisa noturna que soprava do mar. Percorria as ruas estreitas que serpenteavam por entre as fachadas trabalhadas dos centenários casarões sob a luz amarelada dos postes que procurava imitar a antiga iluminação a gás dessa parte da cidade, proporcionando a ele, ou a quem mais passasse por ali, a impressão de que a cada passo que se desse adentrando a cidade, se retornava uma década no tempo.

Passos vindos de além das escadarias quebravam o silêncio noturno, fazendo imaginar o que acontecia além do que os olhos podiam ver. Logo, porém, todo o suspense de desfazia, ao que Angelo observava a figura desajeitada de Quim descer pelas escadas.

-Demorou, hein? – dizia Angelo.
-Relaxa. To aqui, não to? Então pronto. Agora vamos entrar, que já devem estar achando estranho a gente conversando aqui.
-Como assim, “entrar”? Não tem nada aqui! – respondia nosso personagem, cada vez mais confuso.
-O que você que dizer com “nada”? Não ta ouvindo não?
-Ouvindo o quê?
-Exatamente.

Quim soltava as últimas palavras com um sorriso de puro sarcasmo que cortava seu rosto quase que de orelha a orelha, enquanto saía da luz embaçada para dentro da escuridão de um dos prédios. Ambos seguiam agora completamente às cegas, e no entanto, ainda assim Quim parecia saber exatamente onde pisava.

-Quim?

Silêncio

-Quim? Porra, não to vendo nada! Dá pra dizer por que a gente ta aqui?
-Cala a boca, seu maluco. A gente ta indo pros fundos da casa. Lá que é a entrada. Agora fica quieto e deixa teu ingresso já na mão.

Angelo se encolhia frente aos alertas do amigo, e obedecia buscando em seus bolsos o pedaço de papel amassado.

-EI! – ouviam os dois, ao darem de encontro com duas paredes de carne e osso – Calminha aí os dois. Ingressos?
Quim segurava a mão de Angelo, contendo-o antes que ele entregasse seu “vale-suspense” ao homem de cara amarrada.
-Mas assim, sem nem vocês conhecerem a gente direito? – Dizia Quim para o mais baixo, com cara de mandão.
-Tudo bem. Então, qual a cor favorita de vocês?
-Azul-cereja.

O segurança ria.

-Podiam ter feito uma contra-senha menos idiota. Mas vocês podem entrar. Só prestem bem atenção, não quero ter trabalho com ninguém metido a engraçadinho. E andem logo, que tem mais gente chegando.

Angelo nunca esteve tão confuso.Achara graça quando o amigo dissera que haveria “seguranças de cara feia, entradas escondidas e coisas e tal”, mas agora via tudo se tornar uma realidade extremamente absurda. Sem contar que estava se segurando para não rir na cara do segurança depois de Quim ter dito a contra-senha. “Vermelho-sangue”, ou “cinza-chumbo” estariam mais de acordo com a situação, pensava ele. Mas nada do que ele pensasse ou imaginasse lhe seria muito útil nos momentos que viriam a seguir. Na verdade, ele seria privado de tudo aquilo que ele imaginava conhecer.

No fundo do casarão, depois do seguranças, ambos passaram por uma pesada porta de metal, que levava por um caminho baixo e mal iluminado que aparentava ter sido metade escavado na rocha, e metade escorado por paredes de pedra maciça.
-Quim, que diabos de lugar é esse em que você ta metendo a gente?
-Lembra da aula de história? Sobre aqueles túneis que tinham construído pra população poder escapar em caso de invasão, que todo mundo sempre diz que é lenda? Pois é. Bem-vindo a um dos segredos mais bem guardados da cidade. E já, já você vai estar no segundo deles.

Enquanto percorriam o corredor, um som abafado ia tomando conta de cada fresta das paredes gastas. Ao final, um novo portal era removido com um leve forçar das dobradiças, revelando um lugar completamente estranho, e um homem mascarado com um sorriso de porcelana que lhes dizia:

“Sejam bem-vindos, senhores, ao País das Maravilhas”

2 comentários:

Vanessa Sagossi disse...

"Então, qual a cor favorita de vocês?
-Azul-cereja."
heheh... Muito legal isso.

Mas que suspense... Será que era melhor o Angelo continuar totalmente sem amigos? ou melhor, sem amigo.

Luciano Freitas disse...

eheheh caraca, que rumo tomou a história, não? hehe