segunda-feira, 15 de março de 2010

Efêmero

Um tom triste e amarelado escapava através do empoeirado tecido de uma velha luminária existente sobre a mesa, inundando por completo o quarto imundo, e fazendo brilhar a fumaça espessa ao se desprender de um cigarro que se consumia lenta, porém vorazmente, abandonado sem mesmo ter sentido o gosto dos lábios do dono de tais dedos ásperos que o seguraram. Eu poderia ser este pedaço roto de fumo. Me sentia como tal, como se possuísse venenoso alcatrão correndo pelas minhas veias e viciante nicotina me vazasse de cada poro. Sentia exercer fascínio na mente dos homens, luxúria nos corações de mulheres, desejo aos olhos de todos. Era capaz de gritar "me consuma!", ou ordenar "se afaste!" sem mesmo pronunciar uma única palavra. Fui, sempre, um prazer efêmero.


Vivia pela cobiça daquele breve momento, quando podia sentir o desejo expresso no rosto alheio fazer arder a minha própria pele em pura avidez. Sentir-me como prêmio, despida de pudores ou falsas verdades, prenúncio de gozo sofrido de incertezas morais em meio à noite suja, era essa a minha fraqueza, a satisfação do meu vício particular. Existia apenas na posse de outro corpo, como um animal sedento pela carne fresca de outros que se realiza no gosto de sangue alheio nos lábios, me nutria da paixão fulminante e do doce gosto ocre com sabor de lascívia que escorria por e daqueles a quem eu subjugava entre movimentos frios e lençóis amarrotados.


Definitivamente me divertia. As situações, os desconcertos, a sedução sutil dos tímidos, a pose de vítima para os extrovertidos, eu mesma me divertia. Nisso, ao menos, me bastava. Já não criava expectativas. Conhecia todos os tipos de gente, e já havia degustado cada um deles. A emoção do surpreendente já era algo há muito esquecido, como a vaga lembrança de um item há muito esquecido no fundo de uma gaveta, como a droga que jamais repetirá o mesmo efeito da primeira dose. Quer fossem dedos ásperos ou seios firmes a me tocar o corpo, sabia exatamente o caminho que tomariam. Onde me acariciariam, a maneira como tentariam me causar arrepios ou me levar ao êxtase. Todos tentaram. Poucos conseguiram. Sempre busquei aqueles que me sugeriam, mesmo que pelo olhar, a possibilidade de experiências menos coreografadas. Homens ou mulheres que adquirissem aquela segunda personalidade oculta, que se mostra apenas entre duas pessoas, quatro paredes, e umas e outras.


Fui, sempre, uma daquelas pessoas das quais nada se vê além de uma bela fachada. Me permiti ser feliz na minha própria particularidade, no meu próprio mundo. Uma em meio de tantos entre tráfego e multidões, automatizada por necessidade, construí um universo onde a autenticidade vale seu peso em ouro, onde não faz diferença quem, o quê, como ou onde se gosta, ma sim o que você deseja. Não me prendo, no entanto, a nenhuma circunstância, e transformo meu ego apenas com o propósito de atender pequenos caprichos da minha própria desvergonha.


A todos, conquistava e conduzia ao meu território, trazia-os em meio a promessas lúdicas e ideias imprudentes ao círculo dos meus desejos, a realidade da minha – falta de – moral. Relegava-os ora a objetos a serem utilizados, ora a reis e rainhas aos quais servia copiosamente, entre arrepios e partes entumescentes. Servia-me de cada um que ousasse se embrenhar em minha cama, abusava e me deixava abusar ferozmente, em meio a um calor molhado e arfante no limiar da dor e prazer, entre movimentos sutis e animalescos, apenas para no fim atingir um raro momento de iluminação puramente carnal, e desfalecer em meio ao ar pesado permeado com o cheiro de gozo, e carne, e suor, e sangue, e mais o que quer que fosse.


Me deixava ficar, ainda com o corpo em brasas, em meio a cama úmida de decoro partido e vida pulsante. Me trazia água a boca, apenas de lembrar o que havia se passado a apenas instantes, enquanto me contorcia e confortava sozinha desejando tudo de novo. No final, eu não era nada além de algo usado, cabelos embaraçados, meias finas rasgadas e roupas de noite jogadas ao chão sem pudor. Me perdia em pensamentos observando as ondas esbranquiçadas que subiam do velho cinzeiro e permeavam o ar, e me sentia como tabaco barato e pólvora, consumindo minha libido aos poucos, viciando e matando por dentro aqueles que de mim se serviam sem, nunca, ser nada além de um prazer puramente efêmero.

3 comentários:

Georgiana disse...

Nossaaa isso ficou bem sexual e desesperado e intenso..De alguma forma me lmbrou Clarice :S

Analuísa Bessa disse...

Muito, MUITO bom.

Anônimo disse...

Excelente. Vc escreve mt bem, é muito talentoso. abç

Rodrigo.