"Dança pra mim".
Azul Cereja
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
Morena Suja
"Dança pra mim".
domingo, 5 de setembro de 2010
Dani
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Anis
Seu olhar se perdia por entre as ondas luminosas que nos atingiam pelas janelas, e me traziam a dúvida se era o mar que proporcionava tal azul profundo a seus olhos cor de anis, ou o contrário. Eu a observava e, ainda que bastasse que ela desviasse um pouco seu olhar para o lado e me notasse, não me abalava. Meu estado de distração, de hipnose por aquele olhar doce e seguro de si não me permitiam tomar consciência de mais nada.
As sombras que oscilavam pela sua face delineavam uma expressão firme, mas desgastada. Seus cabelos, loiros, longos e presos com um laço amarrado com capricho se mostravam descuidados. A pele, como que curtida por anos a fio de sol e tempos difíceis apresentavam sardas e marcas profundas, frutos de provações - por mim - desconhecidas.
Não tivemos mais que cinco ou dez minutos juntos - por assim dizer. Aportamos, e observei-a afastar-se, enquanto o tempo curto nos fazia seguir em direções opostas, cada um seguindo o seu próprio caminho.
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
A Mística do Ovo Colorido
Torresmo, Mocotó, Pernil ou qualquer coisa em conserva. Aqueles acostumados a rondar os bons e velhos estabelecimentos alimentícios conhecem de cor e salteado os itens do cardápio – ou, melhor dizendo, do quadro com letrinhas de plástico pendurado sobre a cabeça do balconista. Mas é bom lembrar que, mesmo não sendo o mais consumido, existe um quitute – ou lenda, ou entidade, ou fenômeno da natureza fruto dos seres viventes embaixo da capinha de crochê do botijão de gás – que é, sem dúvida, o mais lembrado: o meu, o seu, o nosso ovo colorido.
Não existe aquele que já não tenha ouvido falar de tão conceituado petisco. Encontrar alguém que já tenha consumido, no entanto, trata-se de uma tarefa árdua: o indivíduo dificilmente se lembrará de ter cometido tal ato de coragem, fato normalmente atribuído à baixa quantidade de sangue presente em seu álcool.
Lembro de quando frequentava uma padaria (com nome de santo, como deve ser) no final da Rua do Catete, na Glória – região que, junto do próprio Catete e da Lapa deve ter a maior concentração de estabelecimentos xexelentos deste lado do universo – em plena madrugada. Ainda que a pluralidade da fauna que ali transitava fosse incrivelmente ampla, nenhum jamais se atrevia a mexer com o todo-poderoso ovo colorido. Rapazolas saídos de suas festas, trabalhadores noturnos – de todos os ramos, diga-se de passagem -, insones, desocupados, nenhum deles sequer tinha coragem de encará-lo através do vidro embaçado do balcão. Em meio ao entra-e-sai de clientes e entregadores, aqueles pequenos seres cor-de-rosa, azuis e amarelos reinavam absolutos.
O grande mistério no qual se envolvia tal petisco era, na verdade, o seu fim: as conservas, obviamente, não precisavam de muita atenção; os torresmos, o mocotó, o pernil, as coxinhas, por piores que parecessem, tinham sempre grande saída; os únicos sobreviventes eram os ovos coloridos, resignadamente assentados em um canto da estufa do balcão. Reza a lenda que a última vez em que um desses ovos deixou a padaria foi quando um senhor - certamente transtornado e decepcionado com a própria vida – requisitou meia dúzia destes ovos e duas cervejas pretas para viagem. O que se soube mais tarde foi que o coitado envolveu-se em um misterioso acidente envolvendo um carrinho de mão, um ventilador de teto, uma tesourinha de unha, duas dúzias de bolinhas de gude, duas cervejas pretas e meia dúzia de ovos sortidamente coloridos. Apenas os ovos teriam saído com vida.
Certa vez questionei Bigode (responsável pelo elegantíssimo estabelecimento) sobre os tais ovos. Após olhar em volta e ter certeza de que ninguém estaria ouvindo, Bigode (registrada e também conhecida como Maria Cleuza das Dores – nem pergunte), revelou-me que desistira de preparar os tais ovos há pelo menos uns cinco anos. “Mas e aqueles ali?”, questionei. “É o que sobrou, oras”. Depois dessa fui embora, me perguntando se a próxima civilização a dominar a Terra não estaria surgindo em meio aos ovos coloridos abandonados no balcão da Dona Bigode.
*Texto originalmente produzido para a publicação "Papel de Pão" - @jpapeldepao
segunda-feira, 15 de março de 2010
Efêmero
Um tom triste e amarelado escapava através do empoeirado tecido de uma velha luminária existente sobre a mesa, inundando por completo o quarto imundo, e fazendo brilhar a fumaça espessa ao se desprender de um cigarro que se consumia lenta, porém vorazmente, abandonado sem mesmo ter sentido o gosto dos lábios do dono de tais dedos ásperos que o seguraram. Eu poderia ser este pedaço roto de fumo. Me sentia como tal, como se possuísse venenoso alcatrão correndo pelas minhas veias e viciante nicotina me vazasse de cada poro. Sentia exercer fascínio na mente dos homens, luxúria nos corações de mulheres, desejo aos olhos de todos. Era capaz de gritar "me consuma!", ou ordenar "se afaste!" sem mesmo pronunciar uma única palavra. Fui, sempre, um prazer efêmero.
Vivia pela cobiça daquele breve momento, quando podia sentir o desejo expresso no rosto alheio fazer arder a minha própria pele em pura avidez. Sentir-me como prêmio, despida de pudores ou falsas verdades, prenúncio de gozo sofrido de incertezas morais em meio à noite suja, era essa a minha fraqueza, a satisfação do meu vício particular. Existia apenas na posse de outro corpo, como um animal sedento pela carne fresca de outros que se realiza no gosto de sangue alheio nos lábios, me nutria da paixão fulminante e do doce gosto ocre com sabor de lascívia que escorria por e daqueles a quem eu subjugava entre movimentos frios e lençóis amarrotados.
Definitivamente me divertia. As situações, os desconcertos, a sedução sutil dos tímidos, a pose de vítima para os extrovertidos, eu mesma me divertia. Nisso, ao menos, me bastava. Já não criava expectativas. Conhecia todos os tipos de gente, e já havia degustado cada um deles. A emoção do surpreendente já era algo há muito esquecido, como a vaga lembrança de um item há muito esquecido no fundo de uma gaveta, como a droga que jamais repetirá o mesmo efeito da primeira dose. Quer fossem dedos ásperos ou seios firmes a me tocar o corpo, sabia exatamente o caminho que tomariam. Onde me acariciariam, a maneira como tentariam me causar arrepios ou me levar ao êxtase. Todos tentaram. Poucos conseguiram. Sempre busquei aqueles que me sugeriam, mesmo que pelo olhar, a possibilidade de experiências menos coreografadas. Homens ou mulheres que adquirissem aquela segunda personalidade oculta, que se mostra apenas entre duas pessoas, quatro paredes, e umas e outras.
Fui, sempre, uma daquelas pessoas das quais nada se vê além de uma bela fachada. Me permiti ser feliz na minha própria particularidade, no meu próprio mundo. Uma em meio de tantos entre tráfego e multidões, automatizada por necessidade, construí um universo onde a autenticidade vale seu peso em ouro, onde não faz diferença quem, o quê, como ou onde se gosta, ma sim o que você deseja. Não me prendo, no entanto, a nenhuma circunstância, e transformo meu ego apenas com o propósito de atender pequenos caprichos da minha própria desvergonha.
A todos, conquistava e conduzia ao meu território, trazia-os em meio a promessas lúdicas e ideias imprudentes ao círculo dos meus desejos, a realidade da minha – falta de – moral. Relegava-os ora a objetos a serem utilizados, ora a reis e rainhas aos quais servia copiosamente, entre arrepios e partes entumescentes. Servia-me de cada um que ousasse se embrenhar em minha cama, abusava e me deixava abusar ferozmente, em meio a um calor molhado e arfante no limiar da dor e prazer, entre movimentos sutis e animalescos, apenas para no fim atingir um raro momento de iluminação puramente carnal, e desfalecer em meio ao ar pesado permeado com o cheiro de gozo, e carne, e suor, e sangue, e mais o que quer que fosse.
Me deixava ficar, ainda com o corpo em brasas, em meio a cama úmida de decoro partido e vida pulsante. Me trazia água a boca, apenas de lembrar o que havia se passado a apenas instantes, enquanto me contorcia e confortava sozinha desejando tudo de novo. No final, eu não era nada além de algo usado, cabelos embaraçados, meias finas rasgadas e roupas de noite jogadas ao chão sem pudor. Me perdia em pensamentos observando as ondas esbranquiçadas que subiam do velho cinzeiro e permeavam o ar, e me sentia como tabaco barato e pólvora, consumindo minha libido aos poucos, viciando e matando por dentro aqueles que de mim se serviam sem, nunca, ser nada além de um prazer puramente efêmero.